terça-feira, 28 de outubro de 2014

O REPRESENTANTE E SUAS AMOSTRAS GRÁTIS

Artigo publicado no Jornal A Tribuna - 28/10/2014.

DR. JOÃO RESPONDE
O REPRESENTANTE E SUAS AMOSTRAS GRÁTIS

Ontem eu levei meu filho ao pediatra e tive que aguardar quase uma hora, enquanto ele recebia propagandistas de remédios. Como eu tinha horário marcado, não achei justo eles serem atendidos antes de mim, desabafou minha paciente.
Concordo com a senhora, embora eu deva informar que a visita do propagandista também é importante. Cabe a recepcionista administrar a disponibilidade do médico de atender representantes, sem penalizar o paciente, embora nem sempre isso seja possível.

Qual é o papel do propagandista? Perguntou minha paciente. Vou convidar meu devaneio para respondê-la, afirmei.

Solicito à minha memória que vá ao passado buscar uma incrível história que ouvi quando era acadêmico de medicina. Naquele tempo, a arte de curar ainda engatinhava em suas pesquisas e descobertas. Divulgações sobre diagnósticos, fármacos e procedimentos terapêuticos, chegavam aos médicos com atrasos consideráveis.
Um cirurgião de uma distante cidade interiorana teve sua querida filha como vítima da terrível moléstia difteria. Naquela época, pouco se podia fazer contra ela. Tal patologia, com suas implicações dramáticas, provocavam na garganta da criança a formação da pseudo membrana fibrinosa, impedindo-a gradativamente de respirar.

Dias e noites ajoelhado junto ao leito da menina, aplicando seus conhecimentos, inúteis naquele tempo para o combate da doença, esse pai torturava-se com a evolução lenta e inexorável da asfixia. Padecia duas vezes. Sofria como pai, vendo uma parte de si gemendo inerte e indefesa. Sofria como médico, diante da doença que lhe oferecia o cálice da morte.

As horas passavam, enquanto o sofrimento daquele pequeno anjo se agravava mais e mais.

Desorientado, esse pai corria os quatro cantos do planeta atrás de uma solução. Enviava mensageiros a todos os colegas médicos, hospitais, laboratórios, escolas de medicina, mas a resposta não chegava.
Alquebrado pela dor da filha e sufocado pela angústia, tomou o bracinho já cianótico da menina, injetando em suas veias uma forte dose de morfina.

Ao cair da madrugada, a alma de sua amada criaturinha levantou-se da dor e voou para a paz da eternidade.
Às seis horas da manhã, alguém bate à porta e como não obtém resposta, entra e depara-se com o pai chorando ao lado do corpo da filha.

O mensageiro entrega-lhe o pequeno embrulho que trazia nas mãos, dizendo: Foi descoberto o milagre! Eis o soro antidiftérico!
Como sonhou, desejou e clamou a presença desse mensageiro, aquele médico pai.

O tempo passou, o mundo mudou, correu e se apressou. Mas o mensageiro continua existindo. Às vezes é chamado de representante, outras vezes de propagandista.

Temos hoje a imediata e constante presença desses informadores que nos enriquecem com lançamentos, trabalhos científicos, publicações, simpósios, essas armas tão necessárias à terapêutica. Alguns lançam remédios para os vasos e fibras do coração. Trazem também um amável sorriso de coração. Outros lançam fármacos para o estômago. Trazem também histórias engraçadas para “desopilar” o fígado. Ainda outros lançam medicamentos para o cérebro, enquanto contam experiências da vida que enriquecem os neurônios. Tantos outros lançam drogas para os rins, com suas observações que nos ajudam a filtrar o essencial do supérfluo. Finalmente, muitos também lançam produtos para os pulmões e os ossos, ventilando nossa memória e arejando nosso conhecimento sobre o arsenal terapêutico que, pela velocidade com que são pesquisados, descobertos e sintetizados, seriam ossos duros de roer.

A abelha visita a flor, pois ela contém o néctar da vida. A flor recebe a abelha, pois ela é mensageira de amor.

JOÃO EVANGELISTA TEIXEIRA LIMA

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